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A descoberta do Ser Sonoro em cada um de nós

Por Mauro Amaral


Na infância, uma das distrações da família era colocar para rodar um vinil que tinha como único objetivo demonstrar as capacidades do som estéreo. Não eram músicas inteiras, nem tão pouco um projeto artístico de alguma banda progressiva setentista. Era uma peça técnica.


Hipnotizados pelas possibilidades da tecnologia, ouvíamos carros que passeavam pela sala de estar em uma trajetória que começava na caixa esquerda e acelerava para a da direita para, em seguida, nos surpreendermos com animais selvagens e até mesmo - ponto alto! - , duas músicas simultâneas, uma em cada canal.


O Stereo Spetacular Demonstration & Sound Effects era, portanto, uma coleção de paisagens sonoras que nos abraçava ao ativar em nosso sistema límbico sensações de presença seguidas de um transporte metafórico para realidades outras.


Na segurança de casa, longe das ameaças que o som prometia encenar no teatro de nossas mentes, recebíamos uma dose de emoção segura para se consumir de olhos fechados.


Corta para 2020. Ao dar play no primeiro episódio do podcast Ser Sonoro que chegou aos meus ouvidos pela indicação de um produtor musical e amigo próximo, experimentei estar ainda com esses olhos fechados, sendo transportado agora não no espaço das situações, mas no tempo.


Foi como me reencontrar com assombro as potencialidades do som, revisitando também o poder da descoberta. Agora, não apenas como público-alvo, mas como pesquisador interessado em desvendar a origem, evolução, potencial, teorias e métodos que envolvem o suporte com o qual o Ser Sonoro se apresenta em maior evidência, o podcast.


Mas, por que um podcast?


O projeto SerSonoro.net nasceu como uma versão “pop” da tese de Doutorado de Fernando Cespedes, que também roteiriza, narra, edita e mixa grande parte dos episódios que conta ainda com apoio de uma pequena equipe para desenho de som e pesquisa.


Fernando tem atuação variada no mercado de comunicação, na academia e cena musical paulista. É também professor e entusiasta do som, Mestre e Doutor em Comunicação Digital pela ECA-USP com estágio na Stanford University, nos Estados Unidos faz parte ainda do projeto internacional de pesquisa em sons Sense and Sound e trabalhou no YouTube como Produtor Técnico e Criativo.


Em função dessa jornada, sua experiência como produtor de conteúdo transparece nas escolhas certas na criação da arquitetura do projeto como um todo e em cada episódio em particular. Essa “sinfonia” - entendida aqui em sua acepção literal - é que faz do projeto Ser Sonoro uma excelente peça de estudo em alguns recortes especiais do mundo do podcast, a saber, o perfil transmidiático, a sua própria materialidade e o potencial em ser perene.


São estes três direcionadores que procurei apresentar nessa resenha. A decisão se dá principalmente pelo fato de o SerSonoro.net se tratar de uma obra ainda em progresso: no processo de criação deste texto contávamos com apenas 3 episódios lançados. São elas que acredito ainda estarão presentes nas boas surpresas que os próximos episódios nos reservam.



Ser Sonoro é transmídia?


Sim, mas é preciso atentar pela forma como a técnica é abordada. São notas de estratégia transmídia, mas sem grandes compromissos conceituais ou, melhor dizendo, formalismos. O que, aliás, considero uma qualidade interessante de tudo o que pude consumir até agora: o protagonismo da fluidez da história. Mas sobre isso, falo em breve.


Por agora, é interessante pontuar que, além de estar disponível nos agregadores de podcast, o projeto conta ainda com outros dois desdobramentos: um site oficial e uma conta no Instagram.


Com o site estabelece um diálogo constante, útil para complementar os episódios, apresentando fontes, links de referência e uma biblioteca de sons. É importante sinalizar que esse ambiente digital possibilita que a materialidade sonora, o podcast central, siga livre de maiores adensamentos conceituais, resultando em episódios de roteiro fluidos e de fácil audição.



Já no Instagram, encontramos outra dimensão do projeto, com versionamento do design original para aquela que é a rede com maior engajamento no universo digital hoje. O autor faz isso a partir da estética do audiograma, muito utilizada em podcasts neste ambiente.


No caso específico do projeto destaca-se a pegada minimalista nessa apresentação, repetindo um diagrama do ouvido humano como assinatura visual que se conecta com toda a entrega, resumida em seu tagline:


Um podcast sobre sons, músicas e o mundo da escuta. Uma viagem pelo mundo pra escutar como os sons viram música e como as músicas criam novos mundos.


Um podcast que fala sem dizer em roteiros fluidos


Conceitos vindos de áreas como neurologia, psicanálise e estudos de som se manifestam como auxiliares de grande valia para o protagonismo das histórias bem contadas que nos apresentam, primeiro, nossa relação com os sons enquanto vantagem evolutiva e a nossa gradativa habilidade de estabelecer estruturas sociais ao redor dessa habilidade. E, claro, em como consumir e produzir música durante essa jornada.


Sim, falamos de sistema límbico, claro, apresentamos o conceito de Paisagem Sonora e até conseguimos intuir uma sequência lógica que plasma a estrutura de capítulos das obras de R. Murray Schafer, um dos autores seminais do campo.


Mas não sem perder o tom: em roteiros que têm o poder de diluir-se em um ritmo delicioso de se ouvir, ficamos conhecendo esses argumentos a partir da atualidade de exemplos que evidencia uma pesquisa em andamento, da comparação com gravações históricas de Pixinguinha e tribos africanas e a relação de todo esse campo com a gênese de estilos musicais, como o Heavy Metal.


Ao tomar essa decisão estética, Fernando Cespedes nos entrega um projeto que tem ainda outra característica rara nas materialidades circunscritas à realidade digital: a coragem de se assumir perene.


Uma história que começou nas savanas ancestrais e segue em nosso inconsciente até hoje


Planejar, desenvolver e manter projetos de conteúdo ao redor do podcast hoje é uma tarefa que envolve vários desafios.


A discussão sobre formatos é uma das primeiras. Fazer sozinho ou montar um time de co-apresentadores? Roteirizar ou não? Estudar técnicas de storytelling e jornalismo narrativo ou deixar fluir? A cada decisão tomada, seguimos um caminho em detrimento de outros, com resultados proporcionais a essas escolhas.


Em SerSonoro.net, Fernando Cespedes nos leva para um universo narrativo próprio, com alguma base nas técnicas de roteiro de alto poder de engajamento e um cuidado especial com o desenho de som, fato que fica evidente no episódio teaser, com o título: “Coloque os fones e boa viagem”.


O podcast é feito para ser consumido com um quê de inclinação audiófila e, embora para os ouvidos mais atentos deixe claro ser um projeto já planejado e roteirizado, não cai na armadilha fácil do “semana que vem” ou “como vimos no twitter na semana passada”. Antes disso, nos apresenta a sua serialidade da maneira mais confortável e focada na qualidade da história que precisa ser contada.


E, com isso, é uma narrativa que poderá ser consumida pelos próximos anos por todos aqueles que pesquisarem, curtirem ou se sentirem impelidos a adentrar no mundo dos estudos de som com a mesma curiosidade que os primeiros sapiens o fizeram quando misturam assobios, palmas e troncos para começar nessa jornada.


Conclusão até o momento


O podcast Ser Sonoro e suas demais presenças digitais encerram uma oportunidade única para iniciar nos estudos de som e na análise da evolução da narrativa do podcast em um ambiente que já anseia por uma nova onda de formatos.


Por contar com a base conceitual de uma Tese de Doutorado recém-defendida, e por sabiamente saber abstrair de suas amarras conceituais para entregar um projeto de conteúdo de fácil acesso a uma larga audiência, é ainda uma prova material interessantíssima para outra questão, não abordada aqui, mas ainda assim de alta relevância: a divulgação científica.


A missão é ousada e, felizmente, contamos com uma posição privilegiada nessa jornada: nossos fones de ouvido. Até o próximo PLAY!


Se interessou pelo projeto?

Então acesse aqui a tese do autor e acompanhe o vídeo com a apresentação da pesquisa.



Mauro Amaral é podcaster, gerente de conteúdo multiplataforma e mestrando do PPGCOM da UERJ, pesquisando sobre o cenário atual da produção de podcasts no Brasil


Acesse os áudios:



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